ele dava-me murros que me faziam voar. mas eu tenho um golpe secreto e toda a vida tive curiosidade sobre o corpo humano. devorava livros sobre medicina e sei quais os órgãos que podem magoar e os que podem matar. e sei onde dói mais. Ulisses já não conseguiu levantar-se sozinho. a tua boa mãe olhou para os apostadores e disse: quem apostou contra mim deve-me esse dinheiro em dobro! ninguém discutiu, nesse dia senti-me rica. tive de ser sujeita a uma cirurgia para pôr os maxilares no sítio. valeu a pena. quando acordei da anestesia tinha o teu pai a olhar para mim ansioso. perguntei-lhe o que era e ele indagou: porque é que não te defendeste quando te pendurei pelo pescoço? e eu respondi a verdade: porque não te queria magoar! ganhei o seu respeito e ele o meu quando me entregou um dossier sobre como estava a minha avó. um casal de russos tinha comprado o apartamento ao lado e faziam-lhe as compras, levavam-na às consultas e a passear.
engoli em seco e não voltei a chorar. canalizei a energia das emoções para a luta. passei a derrotar qualquer oponente que me atacasse. não tinha mais nada a perder. então houve apostas em como eu era incapaz de derrotar o nosso Ulisses, um colosso de músculos. os braços dele eram quase da largura da minha cintura. sou pequena e magra, isso iludiu-os pois também sou só músculos. o duelo começou com Ulisses a deslocar-me o maxilar com um murro. ele assustou-se e quis logo parar. o teu pai também estava aflito. eu quis continuar, não precisava das mandíbulas para dar murros. Ulisses teve medo de mim, confessou-me mais tarde. tornámo-nos bons amigos. mas antes disso demos uma tareia um ao outro. eu chegava-lhe à cintura e avancei sem dó nem piedade até ele ficar com dificuldade em respirar. ele dava-me murros que me faziam voar. mas eu tenho um golpe secreto: eu elevo-me bem alto no ar só de um salto. então estava Ulisses a tentar respirar, saltei e dei-lhe um gancho na têmpora que o atirou ao chão, estupefacto.
eu e o teu pai conhecemo-nos no treino militar, em Junho de 1934. o comité convocou-me após uns testes de aptidão que tive de realizar na embaixada. voltei à URSS sem poder despedir-me da minha avó. pelos vistos o meu QI interessa-lhes. tinha 16 anos e o teu pai 21. ele era o meu instrutor. começou a proteger-me desde o início. todos os dias levava-me ao limite das minhas forças. tinha-lhe uma raiva, só mais tarde é que percebi que ele estava a proteger-me tornando-me apta para lutar com qualquer adversário. no primeiro mês eu cumpria todos os treinos a chorar, com saudades da minha avó. um dia ele ergueu-me pelo pescoço, encostando-me à parede com os pés no ar e preanunciou dar ordens para a matarem, para eu saber o que é ter saudades. engoli em seco e não voltei a chorar. canalizei a energia das emoções para a luta. passei a derrotar qualquer oponente que me atacasse. não tinha mais nada a perder.
esta história requer concentração para não publicar nada fora do contexto, pelo que compreendi que este blogue é paralelo às temporadas que partilho em o escrivão. curiosamente, quando o criei, atribui os direitos de autor à Rita Windsor e hoje alterei a descrição e tudo passou a fazer sentido. têm mais para ler, quando quiserem.